O sertão é bonito, mas não tem a mágica da floresta. O pintor Mikéliton Pereira Alves fala com legitimidade. Nascido no sertão da Paraíba, há 32 anos, resolveu começar a conhecer o Brasil pela mata e, logo no início da jornada de formação, se descobriu pintor. Foi assim que juntou as pontas de duas inquietações: a curiosidade pela paisagem e a vontade de retratar os detalhes observados. Mas “se descobrir” pintor não é exatamente uma iluminação. Está mais para dar com a cara em um muro em branco: uma vez entendida a condição, é preciso correr atrás de tudo que não se sabe. E Mikéliton começou a fazer isso ao mesmo tempo em que decidiu explorar o norte do Brasil. O resultado está na vasta coleção iniciada desde então, em um dia de sol em São Luís, no Maranhão, há sete anos. “Gosto de aventura, de história, de arqueologia, de estar dentro da floresta. É meu espírito viajante”, avisa o pintor.
A coleção de Mikéliton (parte dela intitulada Rio Madeira — Gigante da floresta, está em exposição no Museu Nacional Honestino Guimarães até 18 de dezembro) é um diário de viagem sobre os modos de vida dentro e ao redor da Amazônia colhidos com uma metodologia que implica passar um ano em cada capital dos estados da Região Norte. Boa Vista, Porto Velho, São Luís e Palmas já ganharam suas leituras com pinceladas que denunciam sérias referências. O autodidatismo faz do artista um despreocupado com classificações e academicismos, mas há algo de impressionista nas cores e nos traçados.
Difícil não lembrar o quarto de Vincent Van Gogh em Arles quando se vê as cores e a organização de A casa ribeirinha. Ou não associar Ribeirinhos peneirando mandioca aos catadores de trigo do pintor holandês. Mas Mikéliton — nome artístico que faz questão de usar sem o sobrenome — não se concentra em associações.
Impressionista, expressionista, a meio de caminho de cada um, pouco importa. “Procuro não definir. O importante, o que procuro desenvolver, é fazer uma arte que faça algum bem para a Amazônia e para o Brasil. Minha intenção é trabalhar para que minha arte possa agregar valor, para que se preste mais atenção aos povos do Norte.”
Dois grupos
Mikéliton divide a própria produção em dois grupos. A natureza amazônica é um; seus habitantes, outro. Às vezes, um atravessa o outro. “A pintura de paisagem tem a característica de interagir com a imagem. Tem todo um sentimento de vida ao redor, que é o que dá valor à pintura e ao pintar.”
O artista pode se esquivar de comparações, mas se entrega ao revelar o apego por levar o cavalete à paisagem escolhida, “como os impressionistas”. Os interiores das casas, as atividades das populações ribeirinhas, a vida na floresta, e também as cenas do cotidiano urbano e as paisagens das cidades pontuam os quadros. “Gosto de retratos, porque cada estado tem um biotipo diferente com o qual trabalhar.”
A intenção social e ecológica também encontra refúgio na maneira como o artista se organiza para mostrar as obras. Ele prefere locais pouco convencionais, como restaurantes, hotéis e supermercados. Não se deslumbra muito com galerias e museus. No começo, a opção era uma garantia de ter as obras apreciadas por um público razoável, já que as casas de cultura do Nordeste, o pintor acredita, são pouco frequentadas pelas populações. “Em muitas cidades, as pessoas não sabem nem que existe”, repara. O Museu Nacional é uma exceção e uma novidade nesse percurso.
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