São Paulo- Nem sempre quem assina um livro é, de fato, quem escreve. Por trás de um autor pode estar um escritor fantasma, ou melhor, um ghost writer. Com a missão de transformar em texto as ideias e pensamentos dos outros, o ghost writer recolhe todas as informações e passa para o papel. Depois, desaparece, sem deixar sua assinatura.
Comum em países como Estados Unidos e Inglaterra, o mercado de trabalho ainda é pouco explorado no Brasil, segundo a jornalista e ghost writer Tânia Carvalho. Especializada em biografias, sua paixão, Tânia, desde 1970, colecionou passagens por diversos veículos de imprensa fazendo, principalmente, perfis de artistas. Também já trabalhou na TV Globo, onde escreveu milhares de resumos de novelas.
Hoje, entre outros mil e um projetos, trabalha como ghost writer e ministra cursos para quem quer se aventurar nesta profissão, de que mal assombrada não tem nada. O próximo curso é gratuito e está previsto para os dias 21 e 22 de agosto, na Oficina da Palavra - Casa de Mário de Andrade, em São Paulo.
Para definir como abraçou o ghostwriting, ela se vale das palavras de um “ghost” inglês famoso, Clifford Turlow: "Não penso que uma pessoa decide ser ghost writer. Acontece".
Tânia Carvalho: Um ghost writer é aquele que escreve o livro que alguém sempre sonhou escrever, não assina e desaparece como um fantasma após o processo. Daí o estranho nome. A função do ghost writer é pesquisar, entrevistar, recolher arquivos e ouvir o que o autor tem a dizer, porque as ideias e o jeito de se comunicar são daquele que assina o livro.
É um trabalho muito comum pelo mundo. Nos Estados Unidos e Inglaterra existem milhares de ghosts. Ou alguém acha que um CEO de uma empresa poderosa tem tempo para sentar no computador e escrever um livro?
EXAME.com : E como está o mercado para a profissão no Brasil?
Tânia: Este processo está começando. O mercado editorial a cada ano abre mais as portas para livros de grandes empresários, que contam seus casos de sucesso; artistas famosos que assinam suas biografias; políticos que encontram outro veículo para suas plataformas eleitorais.
No Brasil, a cada dia cresce a demanda por profissionais capazes de transformar a vida dos outros em memórias vivas.
EXAME.com: Você escreve todo o tipo de texto?
Tânia: Não trabalho com ficção e não conheço ghost que o faça. Deve existir, mas não sou caça-fantasma. Acho que se eu soubesse como escrever um grande romance, eu o escreveria.
Recebo consultas para biografias, que é meu forte mesmo, mas também para livros técnicos. E já fiz alguns, por exemplo, sobre administração pública.
EXAME.com: Já recebeu propostas estranhas?
Tânia: Chegam propostas inusitadas, tais como, escrever um livro sobre sexo e relacionamentos. Com a seguinte ressalva: "Vou mandar todos os livros sobre o assunto e você faz uma compilação".
Explico que isso é uma violação de direitos autorais, dá cadeia. Não aceito, claro!
EXAME.com: Que tipo de trabalho é mais difícil?
Tânia: Aquele em que o autor, o dono das ideias, não sabe exatamente o que quer dizer no livro. Conta sua vida toda, para depois dizer que não queria bem uma biografia. Há ainda aqueles que não entendem que não posso inventar histórias, nem fazer reflexões. Só trabalho em cima do que me contam.
EXAME.com: Qual você mais gosta de fazer?
Tânia: Definitivamente biografias, especialmente de artistas, pessoas sensíveis, que sabem contar a própria história sem pudores. Atores, diretores e artistas são muito generosos em geral.
EXAME.com: Como é a sua rotina de trabalho?
Tânia: O trabalho de ghost tem duas fases distintas: a coleta de material (pesquisa e entrevistas) e a hora de escrever propriamente dita.
Cada livro demora, em média, 5 meses, e depende da agenda do "autor", da sua disponibilidade para entrevistas e do número de vezes que ele revisa e acha que "não foi bem aquilo que ele disse".
Vou escrevendo à medida que vou entrevistando e colhendo informações. Quando as entrevistas acabam, o livro está praticamente pronto. Aí o autor lê, fazemos correções de rota e finalizamos.
EXAME.com: Que tipos de clientes você atende?
Tânia: Qualquer pessoa que queira contar a sua história, a história da sua empresa, um livro técnico sobre qualquer assunto.
Exame.com: Você não fica triste de seu nome não aparecer?
Tânia: Não me incomoda em nada. Não é o meu trabalho, eu só faço organizar as ideias de outros , especialmente porque o meu forte são as biografias. É a vida deles, as palavras deles, as posições dele.
Não tenho nada a ver com isso.
Exame.com: O serviço de um ghost writer é caro?
Tânia: Não é caro, porque demanda muito trabalho. É o trabalho de um jornalista que escreve para uma revista um perfil de 5 laudas multiplicado por 30 no mínimo. Em média R$ 25 mil quando o contrato é com editoras.
Com particulares, dependendo da extensão do trabalho, pode chegar a R$ 40 mil.
Fonte: Revista Exame
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